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quinta-feira, 23 de julho de 2009

O Diagnóstico… seria tão importante assim?
A psiquiatria permanece meio filha adotiva da medicina. Fica na terra de ninguém, entre o físico e o mental. Pretende ser uma especialidade médica como outra qualquer e se propõe a fazer diagnósticos e prognósticos exatos e previsíveis. Se isso já é difícil na medicina somática, imaginem na psiquiatria. Ela lida com experiências humanas nem sempre claras e definíveis. Claro, todo “mental” tem a sua base cerebral, mas isso não ajuda muito. Desconfio dos radicais de ambos os lados: do cérebro e da mente. Os psiquiatras biológicos, de um lado, que pensam na neuropsiquiatria, e os psicanalistas, do outro, que acreditam que tudo vem da mente. Ambos, ao colocarem seus pacientes em leitos de Procrustes, acabam causando mais danos do que benefícios. Por que não são mais humildes e modestos, reconhecendo que ainda há muito para aprender? Será que não existe uma motivação mercadológica que passa por aí?Diagnósticos estão sempre mudando. A psiquiatria norte-americana, por exemplo, tem as suas famosas classificações diagnósticas, as chamadas DSM (Diagnostic and Statistic Manual), que são revisadas periodicamente. No DSM-II, mais antigo (hoje já estamos no DSM-IV, indo para o V), todas as desordens eram classificadas como “Reações”. Isso porque, naquela época, os psicanalistas dominavam o cenário psiquiátrico americano. Com o passar do tempo eles perderam o prestígio, dando lugar aos neurocientistas, que ficaram mais poderosos. O DSM foi mudando para chegar ao que é hoje: só “Desordens” e não mais “Reações”. Se antes havia interesse em levar em consideração a etiologia das Reações, hoje a classificação é uma mera e simples descrição de sintomas, sem qualquer outra dimensão. O DSM-IV se transformou num livro de receitas, sob protestos dos apagados psicanalistas na sociedade americana super tecnológica, na chamada Década do Cérebro. A grande esperança lá é que a pesquisa cerebral irá esclarecer toda a problemática das desordens mentais. Cá entre nós, duvido…O tempo, dirá…Já a psicanálise vem vindo por outro caminho. Freud, que era inicialmente um neurologista, em determinado momento chegou a admitir que a formação médica, muito estática, traria dificuldades ao trabalho do psicanalista. Mas, mesmo assim, a psicanálise não conseguiu fugir da questão diagnóstica, isto é, de tentar rotular o paciente em grupos “previsíveis”. Mas isso se torna complicado. No campo da psicanálise freudiana, falam das Neuroses, Psicoses, Perversões e Desordens da Personalidade. E ainda tem os grupos de pessoas “analisáveis” ou “não analisáveis”. Há quem diga que quem responde ao tratamento psicanalítico proposto por Freud confirma o seu diagnóstico de Neurótico. Mas aí apareceram os psicanalistas que modificaram a psicanálise para que ela fosse aplicável no tratamento dos Psicóticos. Para eles, existe um continuum entre a psicose, a neurose e o bem-estar mental. Como conseqüência, estabeleceu-se a esperança de os pacientes psicóticos poderem ser curados depois de passar por uma neurose.Mas vamos devagar. Freud andou considerando que as Neuroses eram transtornos causados por conflitos mentais internos, geralmente no período edípico do desenvolvimento da personalidade, no qual o recalque seria a defesa maior. Nessa época, ele ainda trabalhava com a hipótese monista de existir apenas um instinto básico, a libido. Mais tarde ele passou para a hipótese dualista da existência de dois instintos básicos: a libido e a agressão.O corpo teórico iniciado por ele foi aumentando com a contribuição dos seus seguidores que permaneceram na correnteza central da psicanálise. Melanie Klein, por exemplo, se interessou pelo desenvolvimento da criança antes da fase edípica, isto é, nas fases pré-genitais: oral, anal e fálica. Ela chamou também a atenção para o papel da agressão desde o início da vida propondo certas nuances diagnósticas, chamadas de Posições “Paranoide” e “Depressiva”. As contribuições de Klein iluminaram as psicopatologias mais primitivas do desenvolvimento ampliando a focalização inicial de Freud na fase edípica. Se as patologias centradas no complexo de Édipo se relacionavam às depressões neuróticas, ansiedades e fobias, agora com o estudo do desenvolvimento mais primitivo começou a surgir um melhor entendimento das depressões profundas, psicoses e estados borderlines da personalidade. Se a defesa maior do conflito edípico é o recalque, nas constelações pré-genitais ficam defesas primitivas importantes para o entendimento das patologias mais severas, por exemplo, a cisão, projeção e a introjeção.Quando Jacques Lacan apareceu (e nos países latinos com uma enorme acolhida), ele mudou, ou como querem alguns, ampliou o entendimento psicanalítico dos seres humanos a partir de sua inserção na linguagem. De um modo quase sempre obscuro (para mim), aparentemente só accessível aos “brilhantes” iniciados, ele também não conseguiu fugir dos diagnósticos: Histeria, Perversão e Psicose. O que sempre achei meio complicado é o aparecimento clínico com o diagnóstico de “Histeria”, de pessoas com comportamentos completamente diferentes, desde as que respondem a um mínimo de atendimento verbal de consultório sem a necessidade de medicação até as que necessitam internação psiquiátrica e tratamento medicamentoso. Se ambas são “histéricas”, por que elas se apresentam de modo tão diferente e exigem tratamentos tão diversos? Não quero entrar no mérito das teorias lacanianas, aqui apenas registrar essa pequena dúvida.Existe também em Lacan, em minha opinião “leiga”, outro elemento que não considero muito construtivo para o paciente rotulado de psicótico. Uma profecia que acaba se realizando. Para ele, a estrutura da psicose, relacionada com o que chamou de “ausência do nome do pai na cadeia de significantes”, é imutável e por isso um paciente psicótico, com esse “defeito”, nunca poderá progredir na direção de vir a se tornar neurótico e eventualmente saudável. Ele teria então uma barreira intransponível no seu desenvolvimento psicossexual, sentenciado a permanecer “psicótico” para sempre. Como vimos acima, isso difere da concepção dos analistas freudianos que consideravam os psicóticos fixados numa fase primitiva do desenvolvimento, mas capazes de progredir para níveis mais saudáveis, passando pelas neuroses. Nessa concepção mais abrangente, nós todos teríamos núcleos psicóticos simplesmente por termos passado por essas fases primitivas, só que elas foram resolvidas sem que ficássemos lá fixados. Já houve quem dissesse que nós sonhamos aquilo que os psicóticos vivenciam durante o dia. Ou melhor, como dizia Harry Stack Sullivan, “nós somos muito mais humanos do que não”. Já pensaram na diferença, se vocês fossem psicóticos, de serem atendidos por um analista que acredita que você pode passar de psicótico para neurótico e daí para uma vida saudável, e a de serem atendidos por outro que acredita que você será psicótico para sempre, mas dentro disso você poderá no máximo se adaptar melhor à sociedade? Outra vez não quero entrar no mérito das concepções lacanianas da psicose mas apenas enfatizar como os diagnósticos podem criar profecias que acabam se realizando.É interessante notar que, no outro extremo, os neurocientistas fazem o mesmo que Lacan faz com as psicoses. Muitos deles falam que a esquizofrenia também tem um defeito, que deve ser controlado o resto da vida com medicação, comparando os esquizofrênicos com os diabéticos. Acham que eles têm uma doença cerebral e que nem devem ser tratados por métodos psicológicos ou psicanalíticos. Já pensou em você sofrendo de uma psicose e procurar um psiquiatra que, a priori, pensa assim a seu respeito, não acreditando na sua capacidade de superar os seus conflitos e vir a ter saúde mental?Falando em Jacques Lacan (ah! que ousadia, me perdoe os meus amigos lacanianos), deixem-me colocar, meio timidamente é verdade, outra dúvida que me acompanha há algum tempo. Trata-se do significado psicanalítico da palavra “castração”. Se na teoria do desenvolvimento psicossexual existe uma progressão das fases libidinais onde certos conflitos e defesas estão mais presentes em cada fase, em Lacan essa dimensão longitudinal parece ter sido achatada. Por exemplo, o medo da castração que, nos meninos, atinge o seu auge na fase edípica passa a estar presente desde o nascimento. Mas não apenas isso, a castração perde também o seu significado, significando apenas perda e falta em geral. Assim, homens e mulheres passam a ser “castrados”. Difícil falar sobre essas coisas e suas nuances, mas, ao levar o conceito de castração para o início da vida dando-lhe apenas a conotação de perda (falta), Lacan modifica a noção do desenvolvimento psicossexual e da castração como relacionada com a descoberta da diferença anatômica entre os sexos na fase fálica do desenvolvimento. O medo do menino de ser castrado pelo pai, um conflito sempre presente nos homens, e o desapontamento da menina de não ter um pênis se perdem nessa generalização da castração como “falta”. Aí é difícil saber como fica o feminino e o masculino, o homem e a mulher em Lacan… Mas pela terceira vez não estou tentando criar polêmica e tenho a certeza que os lacanianos entendem isso que eu questiono.Voltando aos diagnósticos psiquiátricos, no caso das desordens mentais mais graves o diagnóstico correto pode apontar para os remédios que serão mais úteis ao paciente. Por exemplo, o diagnóstico de bipolaridade nos remete a remédios estabilizadores do humor; o diagnostico de depressão recorrente remete na direção dos antidepressivos; e o de esquizofrenia na direção dos antipsicóticos.
Mas, será que diagnosticar é tão importante assim? É e não é dependendo de cada situação. Do ponto de vista utilitário, diagnosticar pode ajudar os pesquisadores em suas pesquisas e nas suas comunicações. Do ponto de vista do tratamento também pode ser importante. Assim, ele pode ajudar no planejamento dos tratamentos e na previsão da evolução de um caso.Mas o diagnóstico também pode atrapalhar, especialmente quando cria preconceitos. Por exemplo, o diagnóstico de esquizofrenia carrega consigo um grande preconceito de ser uma doença cerebral incurável e progressiva na direção da demência. Quando aparece um caso onde ela foi tratada e curada por um psicanalista, como já aconteceu muitas vezes, ao invés disso levar a uma revisão no prognóstico, frequentemente leva à conclusão de que o diagnóstico não estava correto. Se houve cura, então não podia ser esquizofrenia… Um outro exemplo: quando cheguei em Belo Horizonte, vindo dos Estados Unidos em 1974, percebi que muitos pacientes que me procuravam já chegavam com um diagnóstico de “Disritmia”, feito por neurologistas. Quando me interessei por isso, descobri que esses pacientes procuravam esses médicos por uma questão comportamental ou emocional e faziam um EEG. Mais de 20% dos EEGs em pessoas normais apresentam disritmias não específicas, sem nenhum significado clínico. Esses neurologistas faziam então o diagnóstico de Disritmia como base no EEG. Essas “desordens” causadas pelos médicos eram difíceis de ser abolidas da mente do paciente. Quando isso acontece, elas são chamadas de “doenças Iatrogênicas”. Não se iludam, elas são muito freqüentes.Poderia continuar falando da questão do uso e abuso dos diagnósticos na psiquiatria e psicanálise. Eu apenas toquei na ponta de um iceberg, sabendo que poderíamos continuar tratando desse tema em inúmeras dimensões, todas elas válidas.Ou então, quem sabe poderíamos simplificar deixando grandes teorizações, simplesmente afirmando que só existe um diagnóstico válido: Ser Humano. Uma desordem incurável, e assim sendo, nós todos estamos no mesmo barco… uns mais e outros menos…Marcio V. Pinheiro - wefp.bh@terra.com.br

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